"Ou seja, se muitos de nós não se querem casar, justamente porque não querem para si qualquer dos regimes de bens do casamento, se não querem dividir bens, se não querem partilhar dívidas, se não querem presunções de compropriedade, que devem fazer? Viver rigorosamente sós e solteiros para que o Estado não chateie querendo impor um regime que manifestamente nós não quisemos?" [Sofia Rocha]
Não deixa de ser curioso ver este tipo de discurso - de uma espécie de esquerda okupa - na boca de um apoiante do PSD. Uma lei sobre as uniões de facto - qualquer que ela seja - visa, antes de mais, estabelecer medidas de protecção desse tipo de uniões, não as ignorando. Como é óbvio, a partir do momento em que assinamos o danado do contrato social, temos responsabilidades perante os nossos pares. Sendo certo que este mundo de Sofia - aquele que hoje nos dá a conhecer - não existe (aquilo do "Estado não chateie"), não deixarei de dizer que o pequeno passo que esta lei pretendia dar - e o que tanto chocou a Sofia - praticamente se resume ao aditamento do artigo 5º-A, que diz o seguinte (comento os números 1 a 3, que deixaram a Sofia com os cabelos em pé):
"1- É lícito aos membros da união de facto estipular cláusulas sobre a propriedade dos bens adquiridos durante a união.
Comentário: estabelece uma mera possibilidade, não uma obrigatoriedade; não tem, portanto, absolutamente nada a ver com regimes de bens do casamento.
2- Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos membros da união de facto, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos.
Comentário: a presunção de compropriedade diz apenas respeito a bens móveis e pode, aliás, ser facilmente ilidida através de qualquer meio de prova (facturas, declaração assinada por ambos os membros da união de facto - facilmente se compreende que, até no regime do "não me chateiem", a coisa pode dar para o torto e que um dos que não se quis chatear queira ficar com os bens do outro).
3- Os dois membros da união de facto respondem solidariamente pelas dívidas contraídas por qualquer deles para ocorrer aos encargos normais da vida familiar.
Comentário: nada mais justo, nada mais normal. Se no âmbito de uma relação eu contraio dívidas para ocorrer aos encargos normais - normais! - da vida familiar, é natural que o credor possa tentar cobrar a sua dívida junto de um ou junto de outro. Qual é a objecção?
4- No momento da dissolução, e na falta de disposição legal aplicável ou de estipulação dos interessados, o tribunal, excepcionalmente, por motivos de equidade, pode conceder a um dos membros o direito a uma compensação dos prejuízos económicos graves resultantes de decisões de natureza pessoal ou profissional por ele tomadas, em favor da vida em comum, na previsão do carácter duradouro da união.
5- O direito reconhecido no número anterior a um membro da união de facto é exercido contra o outro, no caso de ruptura, e contra a herança do falecido, no caso de morte.”
De todas as formas, e para que tenham noção - quem não teve oportunidade de ler a lei ora vetada - de que se tratava de uma pequena reforma, que mantinha a união de facto bem longe do instituto do casamento, passem os olhos pela comparação que deixo em extensão.