PRESTAÇÕES SOCIAIS & CLASSE MÉDIA
A Joana nasceu em 1947 e é técnica superior da função pública há 38 anos. Depois dos descontos obrigatórios, o seu vencimento líquido corresponde a 1320,70 euros. O marido da Joana, o André, agora com 63 anos, é quadro médio de uma empresa do sector privado há 27 anos (antes era trabalhador por conta própria). Aufere um salário líquido de 1846,40 euros. Os dois filhos do casal estão casados. A Joana e o André dispõem todos os meses de 3167,10 euros "limpos". Até 1992, viveram numa casa que os pais do André tinham desocupada na linha de Cascais. Mas, com a morte dos pais num acidente de viação, os dois irmãos do André quiseram fazer partilhas da casa. Pediram uma avaliação: 90 mil contos [450 mil euros]. Cada um dos irmãos queria a sua parte. O André propôs pagar renda, o que nunca fizera aos pais. Em 1992 "ofereceu" 100 contos de renda. Os irmãos não aceitaram, a casa foi vendida ao fim de oito meses por 72 mil contos [360 mil euros], e o André e a Joana foram ao banco pedir um empréstimo para comprar um apartamento de 120 metros quadrados. Como o empréstimo é de 1993, e foi a 90% do valor total, a hipoteca está longe de vencida. Por causa da quebra da Euribor, estão neste momento a pagar 470,16 euros por mês.
Aparentemente, vivem no melhor dos mundos. Mas a mãe da Joana (uma senhora de 92 anos) tem Alzheimer e teve de ser internada num lar a 42km de Lisboa, que cobra 1360,00 euros mensais, importância que, naturalmente, não inclui medicamentos, nem fraldas descartáveis, nem consultas médicas, nem actos de enfermagem, nem fisioterapeuta. Essa verba é suportada a 100% pelo casal, por duas ordens de razões: a Joana não tem irmãos com quem dividir a "obrigação"; o rendimento colectável do casal, superior a 44 mil euros anuais, impede-os de solicitar qualquer tipo de prestação social.
Histórias como estas há muitas. O André e a Joana ainda são uns privilegiados: têm emprego e recebem um pouco acima do salário médio, embora nenhum deles trabalhe menos de 9/10 horas por dia.
Quando a direita vem falar no "auxílio" aos pobres, em clave caritativa, está a fazer de conta que não vê a real dimensão do problema. O tal suplemento de 200 euros que drª Maria José Nogueira Pinto achava que iam ser gastos em droga, e o rendimento social de inserção que Paulo Portas considera um incentivo ao lazer, sendo ambos indispensáveis, estão longe de resolver o problema do empobrecimento geral da soi disant classe-média. Estão em causa pessoas. As pequenas e médias empresas podem ser (e são) muito importantes para o tecido social, mas são feitas de pessoas. E eu ainda não ouvi o PSD a falar de pessoas. Nos melhores momentos falam de macro-economia. E nos piores fazem demagogia com o investimento público. Não é preciso um MBA em economia para perceber isto.