SEMENTES DE INSEGURANÇA
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Não há nada que venha no meu programa que já não tivesse dito antes.
(Manuela Ferreira Leite, ontem, RTP1)
Na quinta-feira, quando saiu a notícia de que o PIB cresceu 0,3% no último trimestre, pensei que MFL iria ficar sem discurso. Até esse momento, o seu discurso tinha apenas quatro ideias: 1) Portugal está em crise, 2) A causa dessa crise são as políticas do Governo, 3) essa crise não tem nada que ver com a crise internacional, 4) Sócrates é um aldrabão. Como conciliar estas ideias com o facto de Portugal ter sido um dos únicos cinco países europeus a apresentar algum tipo de crescimento económico desde o afundamento geral em Setembro de 2008? Como negar toda e qualquer relação (mesmo que ténue) entre as políticas do Governo e o facto de Portugal ter sido um dos últimos países europeus a entrar em recessão económica e um dos primeiros a apresentar sinais de recuperação? Certamente MFL não ignora que haver crise resulta de não haver crescimento económico? Certamente também não ignora que o desemprego só baixará se passar a haver crescimento económico? Não, claro que não ignora — ela própria tem afirmado repetidamente que os problemas do País (incluindo o desemprego) só se resolvem quando forem criadas condições para que haja crescimento económico. Como MFL não disse nada na quinta-feira, concluí que tinha ficado mesmo sem discurso. Só lhe restava a ideia de que Sócrates é um aldrabão. Não que isso seja pouco. Pelo menos enquanto o caso Lopes da Mota não estiver encerrado, há toda uma bolha mediática que pode continuar a ser explorada até ao dia das eleições. Mas ter apenas isso é diferente de dispor de um discurso que articule um raciocínio e que apele directamente à carteira dos Portugueses: “é do facto de Sócrates ser um aldrabão que resulta, infalivelmente, a crise em que o País se encontra”. Na sexta-feira, quando saiu a notícia de que o desemprego subiu para 9,1% no último trimestre, MFL falou. Sem dúvida que precisou de muito sangue frio. Não é qualquer um que consegue dizer que os números do PIB se explicam pela evolução da crise internacional, mas o números do desemprego se explicam pela evolução da crise nacional. MFL já estava habituada a insistir na ficção de que a crise internacional e a crise nacional são duas coisas separadas. Mas agora acrescenta que os números do PIB e os números do desemprego também são coisas separadas. E isto é realmente novo. Afinal, a nossa crise não tem nada que ver com o crescimento económico, visto que este flutua exclusivamente em função da crise internacional e diz respeito apenas à crise internacional. Afinal, a nossa crise é apenas uma crise de falta de emprego, que não está relacionada com a falta de crescimento económico (pois, se estivesse, estaria relacionada com a crise internacional). Afinal, não há qualquer relação entre o emprego e o crescimento económico. O facto de o desemprego ter aumentado menos neste trimestre do que no anterior é irrelevante; o facto de os números do desemprego tardarem sempre a acompanhar os do PIB, também (visto que nem há relação entre eles). Tudo isto configura uma teoria económica heterodoxa, e o Português em que MFL costuma exprimir-se também não ajuda a esclarecer a subtileza da sua análise, mas eu atrevo-me a dar uma ajuda. É assim: 1) Portugal está em crise, 2) A causa dessa crise são as políticas do Governo, 3) essa crise não tem nada que ver com a crise internacional, 4) Sócrates é um aldrabão. Veja o vídeo: http://noticias.sapo.pt/info/artigo/1011745.html
A ideia de uma Política de Verdade, lançada por Manuela Ferreira Leite no discurso político, constituía todo o valor da sua liderança.
É mesmo caso para dizer "Rasgar ou não rasgar: eis a questão!"
Isto de ter de tomar decisões...
Na mesma semana em que o PS apresentou o seu programa político, a líder do PSD falou de iates, de perseguições aos ricos, e manteve a aposta na Verdade (assim, com maiúscula). Centremo-nos no único ponto passível de discussão: a Verdade. Para Ferreira Leite, a nossa verdade é o endividamento: não há dinheiro para nada e o PS, se insistir na sua política de investimentos, vai levar-nos à ruína. Dito assim, impressiona. Estamos perante uma reedição do discurso da tanga. Mas, e independentemente da nossa avaliação sobre a estratégia de desenvolvimento proposta pelo PS, a verdade, em si mesma, não é nem nunca poderá ser um programa político, pois um programa implica duas coisas: um diagnóstico sobre a situação do país e um compromisso com um plano de acção. Desde Aristóteles que a política é entendida como uma forma de acção, mas Ferreira Leite decidiu inovar e propõe uma alternativa: a resignação e a passividade estóica.
Assim não, diz a líder do PSD, sem nunca nos dizer o que fará com tanta e tão assustadora verdade. Pondo de parte a hipótese de auto-flagelação, o que nos resta? Será que Portugal tem de poupar mais? Baixar despesa? Reduzir impostos para estimular a actividade económica? Esperar que o "abalozinho" passe? Não sabemos. Sabemos apenas que, numa recessão onde existe um risco de deflação, isto é, num contexto onde não podemos recorrer à cartilha liberal de que as empresas não produzem porque o Estado não as deixa, nenhuma dessas opções parece fazer sentido. Tirando alguns liberais que já ninguém leva minimamente a sério, o consenso internacional é de que só o Estado pode desempenhar o papel de liderança que a situação exige - e isto requer investimento.
A "posição" de Ferreira Leite pode não aumentar o endividamento, mas não faz nada para o reduzir. Podemos evitar o desastre, mas não fazemos nada para alterar o status quo. Reconhecer um facto, parar, repensar e adiar, que eu saiba, não resolve problemas, porque não é agir nem assumir qualquer tipo de responsabilidade perante a nossa situação. O endividamento é um problema que carece de uma resposta política afirmativa. Só há duas soluções para o endividamento: crescimento ou diminuição da despesa, isto é, medidas expansionistas ou pró-cíclicas. De uma maneira ou de outra, algo tem de ser feito. Dado que Ferreira Leite não é liberal, ou seja, não acha que desmantelar o Estado assegura, só por si, crescimento futuro, e tendo em conta que, segundo a líder do PSD, não há dinheiro para nada, tenho alguma dificuldade em perceber o que a sua Verdade quer para Portugal e para os Portugueses.
(artigo publicado no Diário Económico)
“Um dos pontos mais importantes e que nem sempre é referido com a dimensão que merece é a questão da quantidade e da qualidade legislativa.
Considero que é essencial legislar menos, legislar de forma criteriosa e de forma precisa”
Manuela Ferreira Leite, 29 de Julho de 2009
"Nunca me recordo de tantos diplomas. Eu penso que quase enchem um bom jipe"
Presidente da República, 2 de Agosto de 2009
(Retirado daqui)
Há duas hipóteses para esta convergência de opiniões:
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