Notas sobre o "poder socialista"
O André Abrantes Amaral respondeu à minha interpelação.
Agradecendo, encurto o comentário que deixei lá na caixa de comentários, dividindo-o igualmente em quatro partes que correspondem às suas respostas:
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
O André Abrantes Amaral respondeu à minha interpelação.
Agradecendo, encurto o comentário que deixei lá na caixa de comentários, dividindo-o igualmente em quatro partes que correspondem às suas respostas:
«Eu não quero saber se há escutas ou não, eu não quero saber se há retaliações ou não, o que é grave é que as pessoas acham que há»
(Manuela Ferreira Leite em entrevista à RTP1)
O André também escreve:
A resposta é obvia: porque isso pode gerar comportamentos de agentes económicos que, sendo racionais do ponto de vista individual, uma vez agregados, podem ser péssimos do ponto de vista colectivo. Há investimentos ou decisões que são absolutamente vitais para um pais que nenhum agente privado tomará; se essa decisão não for tomada, todos os agentes perdem. Isto tem um nome simples: é um problema de acção colectiva.
Porque é que muitas empresas preferem não exportar? Ora, porque exportar é mais exigente do que apostar no mercado doméstico. Se todas as empresas decidirem ignorar o mercado externo, o André pode imaginar o resultado final para o país. Se não houver um incentivo, um mecanismo propulsor, um trampolim, um apoio, o que lhe quiser chamar, as empresas continuarão, com toda a probabilidade, a prosseguir o mesmo comportamento confortável do passado. Resultado final? Perdem elas e perde o país.
Atenção: isto vem em qualquer manual de economia política minimamente recomendável.
O André Abrantes Amaral escreve:
Gostava de perceber porque é, para aqueles que dizem que a justiça social entre indivíduos é uma "miragem", são os primeiros a invocar a princípio de justiça quando se trata de concorrência entre empresas.
E já agora, no mercado internacional liberalizado, uma empresa norte-americana (ou inglesa, ou japonesa, ou francesa, ou alemã) que durante décadas recebeu apoios públicos e que entra por um pais cujas empresas vivem com a corda na garganta e não têm 1/100 das capacidades organizacionais, humanas e financeiras das empresas das primeiras,conseguem explicar-me onde está a justiça?
Ou no comércio internacional a justiça deixa de ser uma preocupação para os liberais?
São dúvidas genuínas, reforço.
Este debate entre o João Galamba e o Tomás Belchior é muito bom, e apesar de não ter muito tempo para dizer tudo o que me lembro, vou meter a minha colherada. O Tomás escreve:
Um dos mitos contemporâneos diz que a globalização torna o Estado social insustentável, sobretudo nos países pequenos. A direita regozija e a esquerda protesta, mas ambas aceitam a sua inevitabilidade. O mito, porém, não sobrevive à análise: as economias mais integradas no comércio internacional são as dos pequenos países - os mesmos que construíram os Estados sociais mais generosos. Parte da explicação é esta: a vulnerabilidade do mercado interno a choques exógenos incentiva à coordenação entre Governo, capital e trabalho, e favorece a construção de compromissos de classe e de instituições que protegem contra os humores do mercado.
A discussão é particularmente actual no momento em que o PS propõe ao país um duplo pacto: para o reforço da internacionalização da economia e para a expansão do Estado social. Os pactos complementam-se porque permitem aumentar a coerência entre os regimes de produção de bens transaccionáveis e de protecção das pessoas. Claro que é impossível copiar as instituições ou a trajectória dos países europeus pós-1945: em Portugal, a representação do capital e do trabalho é menos unificada; a taxa de sindicalização no privado é muito reduzida; grande parte dos empregadores e trabalhadores é pouco qualificada; o tecido económico tem bolsas de baixíssima produtividade. Sabemos, porém, que as instituições condicionam a acção dos parceiros, mas não a determinam. A escolha da estratégia é, por isso, decisiva.
A estratégia do duplo pacto aposta na definição dos clusters que merecem a aposta prioritária dos sistemas público e privado de inovação. Aposta em medidas de apoio à capacidade organizacional das firmas e à sua inserção em redes internacionais. Aposta na qualificação de pessoas ao nível do ensino superior e do secundário. Aposta em níveis elevados de contratação colectiva e moderada segurança laboral. Aposta em trabalhadores mais bem pagos; num país onde o salário mediano ronda os 700€ e cerca de 500.000 ganham o salário mínimo, é preciso prosseguir o aumento deste, medindo o impacto no emprego. É possível, porém, aumentar o rendimento do trabalhador se o Estado fornecer um complemento ao salário; a medida, que existe em inúmeros países, consta do programa do PS.
Os pactos não se complementam por acção da mão invisível do mercado, mas da mão visível do compromisso. O duplo pacto incentiva ao aprofundamento da coordenação cooperativa da economia, essa dinâmica negocial entre Governo, empresas e sindicatos, assente na concertação, na persuasão, e no incentivo - numa palavra, na política. Se alguns reduzem isto a “negociatas”, é porque lhe têm horror.
[artigo publicado no "Diário Económico" de hoje]
O André Abrantes Amaral e o Tiago Moreira Ramalho responderam a este meu post escrito ao sabor da pena e com uma dose porventura excessiva de ironia. Entretanto, o debate prosseguiu com intervenções do João Galamba e do Tiago, mas vou tentar regressar ao post inicial. Este é um debate importante, vamos lá tratá-lo com a dignidade que merece.
O PS propôs um pacto para a internacionalização das empresas portuguesas. O país precisa de exportar mais e ganhar competitividade através da produção dos bens transaccionáveis.
A grande prioridade do PSD, já se vê, é abrir os serviços públicos ao sector privado. A prioridade não é obrigar os grandes (e não tão grandes) grupos portugueses a mostrar o que valem lá fora. Não: o que interessa é abrir-lhes mercados altamente protegidos, como os das áreas da saúde ou da educação, onde possam fazer dinheiro fácil.
E não me venham com os clichés da "esquerda proteccionista" e da "direita que privilegia o risco". Nos dias que correm, não há estratégia mais proteccionista do que a que o PSD advoga.
Só me apetece parafrasear o João Rodrigues: «vão trabalhar para os sectores exportadores, malandros»!
A SIC passou ontem uma peça longa onde se discute a medida do PS que motivou o debate, há umas semanas, sobre a "perseguição aos ricos". A peça é – surprise, surprise – incrivelmente negativa e tendenciosa, mas isso não é para aqui chamado. O que é verdadeiramente interessante é o argumentário apresentado pelo fiscalista de serviço entrevistado, Diogo Leite Campos. Este episódio serve que nem uma luva para testar as duas hipóteses que tinha colocado aqui há algumas semanas, onde havia escrito que os críticos (na altura referia-me a Miguel Frasquilho, mas isso não é importante aqui):
«compara[m] os rendimentos dos mais ricos cidadãos portugueses com a Europa e não com a população portuguesa. Aos mais ricos cidadãos portugueses não parece interessar muito que ganhem 10, 20, 30 vezes mais do que o meio milhão de portugueses que aufere o salário mínimo, mas que ganham menos que os mais ricos cidadãos franceses, ingleses, ou alemães.» [1ª hipótese]
E que:
«não deve[m] ter uma ideia muito clara da distribuição de rendimentos na sociedade portuguesa» [2ª hipótese]
O fiscalista de serviço prova que eu tinha razão. Sobre a primeira hipótese, afirma com a maior das calmas que «5800 euros por mês em qualquer pais europeu é classe média baixa». A privação relativa dos ricos portugueses deve-se ao facto de não poderem ter a mesma vida que os seus colegas franceses, ingleses ou alemães.
"Never wrestle with a pig. You get dirty and besides the pig likes it".
George Bernard Shaw
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
As imagens criadas pelo autor João Coisas apenas poderão ser utilizadas em blogues sem objectivo comercial, e desde que citada a respectiva origem.