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SIMplex

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08
Ago09

o precipitado anúncio da morte do Estado Social

Porfírio Silva

Alexandre Homem Cristo, no Diário Económico de ontem, em texto intitulado "Irreal social", descascava nos defensores do Estado Social: "O Estado Social aguarda que alguém lhe passe a certidão de óbito". O governo socialista é acusado de não ver isso (aparentemente, por esse governo se guiar por "números e estatísticas", em mais uma instância do argumento do geocentrismo).

Ora, vale a pena sugerir a Homem Cristo a leitura de uma notícia da edição de hoje do Expresso, intitulada "Estados Unidos - Saúde será vitória histórica". Aí se explica que o presidente daquele país trava uma luta política gigantesca para criar um sistema nacional de saúde pelo menos digno dessa designação. Parece que Obama anda distraído e se tem esquecido de ler a prosa ilustrada de Homem Cristo. A notícia destaca uma das verdadeiras razões para os Republicanos se oporem a esta reforma estrutural: "ela será tão popular que custará o poder aos republicanos por uma geração". Parece que o anúncio da morte do Estado Social é um pouco exagerada.

Mas, pronto: Obama e a sua administração podem ser esplendidamente menos informados da máquina do mundo do que um colunista à procura de argumentos para atacar o PS neste jardim à beira-mar plantado durante uma campanha eleitoral. Essas coisas acontecem. Contudo, mais curioso ainda, é que o texto de Homem Cristo dá uma explicação económica para o óbito do Estado Social: não há dinheiro. Nem caminho por onde arranjar como financiar o reforço do Estado Social. Portanto, lá está, o óbito é o resultado da falência. Concordamos num ponto: os sistemas públicos que configuram concretamente o Estado Social devem ser geridos de forma a não desperdiçar o dinheiro dos contribuintes. E não podemos governar como se o dinheiro caísse do céu.

Entretanto, a notícia diz ainda outra coisa interessante: os Estados Unidos, apesar de estarem relativamente mal colocados em cuidados de saúde a nível mundial (muito atrás de Portugal, por exemplo), gastam muito mais do que outros que fazem melhor: Portugal gasta 10% do seu PIB em saúde, os EUA gastam 16%. Por culpa de o sistema de saúde dos EUA ser muito generoso? Não; por praticamente não existir, potenciando um verdadeiro desbaratar de recursos em seguros privados (que em geral nem garantem uma protecção minimamente adequada). Dirão: mas não é o Estado que assim gasta, são os privados. Esse seria um curioso argumento, especialmente se viesse do lado dos que vêem a "sociedade civil" como oposta ao Estado e mais digna do que os mecanismos públicos.

Portanto, mesmo por razões económicas, seria conveniente ter cuidado com o anúncio da morte do Estado Social. Cuidar da sua viabilidade: isso, sim, parece razoável - mas dificilmente compatível com o espírito liquidacionista.

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2 comentários

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    Porfírio Silva 08.08.2009

    Não vou discutir o SNS, mas penso que há muitos indicadores a mostrar o seu efeito na saúde dos portugueses. Dizer que ele é uma vergonha - quer dizer o quê? Que precisamos de o melhorar? Certamente. Que ele não fez já muito pela saúde dos portugueses? Parece que fez. Mas a sua questão parece ser outra: deixem o mercado funcionar, parece ser a mensagem. Voltemos, então, à notícia mencionada no post, e aos EUA.
    Cito: "50 milhões de americanos não têm seguro de saúde. 14 mil perdem todos os dias o direito ao seguro. 43% das pessoas seguradas com doenças crónicas denunciaram o ano passado que continuam a não ter acesso aos tratamentos médicos devido ao seu custo. Dois terços daqueles que declaram falência fazem-no porque não conseguem pagar contas relativas à saúde embora a maioria tivesse seguros de saúde." É isto que é o mercado a funcionar? É isto que queremos?
    Mesmo em termos económicos. Cito ainda: "o alto custo dos seguros de saúde pagos pelas empresas americanas está a minar a competitividade - por exemplo, mais de mil euros do preço de cada carro fabricado nos EUA deve-se ao custo dos seguros de saúde dos trabalhadores pagos pela empresa". Quer dizer, além de não cumprirem a sua função social, também têm problemas económicos.
    Eu não sou especialista de saúde. E não tenho dogmas. Não tenho preconceitos contra o mercado. Mas não gosto de soluções simples que escondem a realidade. Se o facto de eu não acreditar no bezerro de ouro chamado mercado me faz partidário do "estado totalitário" de que fala o comentador, então... está bem: fico a saber o que valem essas palavras assim atiradas.
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