A esquerda tem de fazer mais do que redistribuir
O combate às desigualdades é uma bandeira histórica da esquerda. O problema do BE e do PCP é o de terem transformado este objectivo político num absoluto que determina toda a sua acção política, esquecendo-se que, sem uma política que também aposte e promova o crescimento económico, uma estratégia de puro combate às desigualdades redunda necessariamente em empobrecimento colectivo. A nossa experiência historica não começou em 2008 — é preciso continuar a ter presente que o socialismo real foi uma tragédia; a sua repetição seria desastrosa. A extrema esquerda tem de ser capaz de reconhecer que as suas receitas tradicionais fracassaram e que um discurso de oposição e combate ao capitalismo não faz hoje qualquer sentido.
Neste campo, o PCP parece ser um caso perdido, e vive numa auto-contradição: é um partido Marxista para quem a história não interessa. O BE está um pouco melhor, e gosta de se apresentar como a verdadeira esquerda, a esquerda moderna. E é a partir desta auto-qualificação que acusa o PS de capitulação ideológica, encostando-o ao PSD. O BE acha que o PS abandonou as causas de esquerda, mas fá-lo sem qualquer tipo de exame crítico da sua própria história. A secundarização, senão mesmo marginalização, da tendência mais moderada associada à Política XXI é um sinal de que o BE se radicalizou e é incapaz de actualizar o seu discurso. Basta lembrar as últimas declarações de Francisco Louçâ: a política não é feita de compromissos. Está tudo dito. Louçã parece ser um homem que pensa em termos de milénios. E a vitória (a sua, claro) lá chegará, nem que para isso seja necessário praticar uma política de terra queimada.
A esquerda que não cortou com a tradição marxista e insiste em ver a política pelos prisma redutor da luta de classes, diabolizando a iniciativa privada, não é nem será a solução. para os problemas do país. Quem defende as nacionalizações; a proibição de despedimentos para quem tem lucros; o populismo demagógico e irresponsável que acusa o PS de salvar a banca mas não os portugueses; a proibição das deslocalizações, mostra que esqueceu o passado. É preciso deixar uma coisa bem claro: sem crescimento económico não pode haver redistribuição. Isto implica que uma política puramente redistributiva, não faz qualquer sentido. Marx sabia isto e a sua crítica ao capitalismo incorpora a preocupação com o crescimento económico: o comunismo seria, não só mais justo, mas sobretudo mais produtivo. Em 2009 nada disto faz qualquer sentido: já ninguém acredita que o futuro do país passe por uma reedição do PREC. Uma esquerda moderna tem de ser capaz de reconhecer a importância de uma economia de mercado, ao mesmo tempo responde às suas limitações. É um compromisso difícil, mas é um compromisso necessário.
João Rodrigues, próximo do BE, acha que o PS falhou neste compromisso, e escreve: "Ao contrário da tradição social-democrata, o PS prefere colocar o conjunto da comunidade a apoiar indirectamente os sectores mais reaccionários do patronato com uma vaga proposta, inspirada no imposto negativo de Milton Friedman, de subsídio aos salários de pobreza, que apenas perpetua as relações sociais que dão origem aos baixos salários. Há uma via mais eficaz para combater a pobreza laboral e para, no mesmo processo, mudar a estrutura produtiva: salário mínimo decente em actualização constante, maior centralização das negociações entre sindicatos e patrões, mais poder aos sindicatos, combate a sério à precariedade e aposta na formação". Parece-me que o João Rodrigues é injusto na crítica. Há certamente diferenças, mas o PS procurou responder a todas as preocupações do João Rodrigues: o PS aumentou significativamente o salário mínimo e promete aumentá-lo mais; o PS aprovou um Código do Trabalho que valoriza a negociação colectiva, promove a formação contínua e a qualificação dos recursos humanos (palavra horrível) e penaliza os recibos verdes; o PS criou o escalão de 42% no IRS e promete aumentar ainda mais a progressividade do sistema, mexendo na componente relativa às deduções e benefícios fiscais. O João pode achar que se podia ter ido mais longe, mas não faz qualquer sentido dizer que o PS abandonou a tradição social democrata. E muito menos dizer que o PS é igual ao PSD, o partido que acusa o PS de perseguição aos ricos.
Por outro lado, e para finalizar, é o João Rodrigues que parece querer ir longe demais. João Rodrigues faz exigências impossíveis de satisfazer através de lógicas puramente redistributivas. Mais: a e do capital sua insistência na oposição Marxista entre Trabalho e Capital, entre Trabalhadores e Patronato, ignora que essa lógica de conflito de classe só tem uma conclusão possível: a revolução e a eliminação da propriedade privada. Mais do que obrigar "os sectores mais reaccionários do patronato" a acabar com os baixos salários, importa contribuir para a criar um contexto económico onde tal deixe de ser necessário. Por outras palavras, é necessário abandonar a ortodoxia de esquerda que insiste na diabolização dos empresários. O problema de Portugal não é só a pobreza e a desigualdade. Também é a riqueza. Os salários reduzidos não se eliminam por decreto político. Nem se constroem apenas contra os empresários.