Ousar governar
Tem sido muito repetido que a crise internacional abanou fortemente a ortodoxia dominante. Que, curto e grosso, se resume ao "salve-se quem puder e vivam os vencedores". E esse abanão existe - e é salutar.
Não deixa de ser, contudo, menos certo que outras ortodoxias, vistas como menos dominantes por estes lados, também merecem cautelas. É que, apesar de ora arejarem os paletós e descerem à praça como se fossem os novos donos do reino, não ganharam na circunstância nenhuma legitimidade para tal. Pela simples razão de que a história mais recente, dos últimos meses ou anos, não deve fazer-nos esquecer as lições apenas um tudo nada menos recentes. Por exemplo, o fracasso das soluções centralistas e das visões que encarregam o Estado de tomar conta de tudo o que mexe. O que é o caso quando se sugere que certas empresas, dando lucro e pertencendo a sectores estratégicos, deviam "ser de todos" (c'est à dire, nacionalizadas) apenas por isso, como alguns sugeriram recentemente acerca da GALP e da EDP. Quando isso é puro esquecimento de que o mundo já mostrou ser mais complicado do que a cartilha promete.
É que, quem queira ousar governar, tem de saber evitar as armadilhas das ortodoxias fechadas - e não apenas das mais recentes. Para não nos acharmos, daqui a meio ano, suspensos sobre o nada e pendurados por frágeis lianas. Porque a pior esquerda do mundo continua a ser a esquerda que odeia os que tentam governar.