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SIMplex

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28
Ago09

Que país preferem?

Miguel Abrantes
Imaginem três países:

No país A, 50% da coorte acaba o secundário (e 15% segue para o ensino superior). Dos outros 50%, 20% acabam o 9.º ano e 30% não o conseguem completar. Os professores deste país estão relativamente tranquilos, acham que o ensino, apesar de não ser o que era, é ainda razoável. O país indigna-se muito com os níveis de abandono escolar que invariavelmente faz com que os alunos, uma vez fora da escola sem qualificações, praticamente não tenham outra alternativa a serem trabalhadores pouco ou não-qualificados para toda a vida — mas, apesar da indignação colectiva, ninguém parece estar disposto a mexer realmente no sistema. Este é um país social, económica e culturalmente partido ao meio, há muita pobreza, mas a escola é ainda um pequeno santuário, uma vez que os problemas sociais são, a partir de um certo nível de ensino, deixados “lá fora”.

No país B, 70% da coorte acaba o secundário (e 30% segue para o ensino superior) e 25% acaba o 9º ano. Os professores não estão muito satisfeitos porque acham que o nível dos alunos baixou, tornando o seu trabalho mais difícil e menos recompensador. Aceitam mal que o Ministério da Educação do país tenha criado políticas — e obrigado o sistema a fazer um esforço — para abrir o sistema a alunos cuja carreira escolar raramente ultrapassava a barreira do básico. Afirmam que o país, vendido à moda do “facilitismo”, caminha para o abismo.

Não notam, porém, que são vítimas de uma ilusão: talvez o aluno médio seja menos bom do que num passado recente (é natural, a base de alunos no sistema, a partir de um dado nível, foi alargada), mas a coorte é, no seu conjunto, seguramente melhor, porque no passado metade dela não completava o secundário, e agora a maioria fá-lo. O secundário é visto como sendo menos exigente do que no passado — ignorando que alguns programas são dificilmente comparáveis, até porque se ensinam coisas novas, em resposta a exigências sociais também mais amplas (novas tecnologias, língua estrangeira desde o básico, etc.) –, embora, se não compararmos a qualidade dos alunos, mas a qualidade da coorte, possamos ver que esta é mais escolarizada e mais qualificada. E o que interessa para o país é a coorte, não apenas os alunos que estão no sistema.

No país C, as taxas de conclusão são um pouco melhores do que as do país B, mas a grande diferença está no facto de o país ter efectivamente incorporado a mensagem de que a escola é mesmo para todos; de o contrato entre o Estado e os profissionais para que as crianças tenham acesso ao melhor ensino possível (sobretudo aquelas que mais precisam da escola, e não os bons alunos) ser compreendido por todas as partes; e dos alunos, fruto de reformas anteriores no ensino básico, atingirem o ensino secundário mais bem preparados do que os jovens do passado.

Dado que são reduzidas as possibilidades do sistema educativo colocar os alunos com dificuldades fora do sistema (fenómenos generalizados e conhecidos, no país A, por “retenção” e “abandono”), existe capacidade instalada e competências organizacionais — fruto de um mix inteligente de políticas de oferta diversificada e de práticas pedagógicas de qualidade — para lidar e resolver o mesmo tipo de situações que provocam protesto no país B. A grande massa de cidadãos-contribuintes-clientes acha que a qualidade da escola justifica o que é pago em impostos.

Na verdade, o país A, o país B e o país C são o mesmo, mas em momentos diferentes no tempo. Hoje, e fruto do trabalho realizado nos últimos anos, Portugal aproximou-se da imagem do país B. Falta assegurar este avanço e dar os passos que permitam cumprir a transição para o país C.

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