[Depoimento de Rogério Gaspar*]
No programa do PS para a Saúde devem ser realçados aspectos importantes que se referem a melhorar os cuidados de saúde em áreas críticas como a diabetes, dependências, VIH/SIDA, Oncologia, saúde materno-infantil e idosos. Tudo isto no quadro da visão estratégica sobre os cuidados de saúde consensualizada para 2010-2016. O objectivo de reforço do sistema de saúde aponta para a reforma dos cuidados de saúde primários. A generalização das unidades de saúde familiares aparece como objectivo central, a par do estabelecimento de uma rede de cuidados continuados integrados para apoio aos mais idosos. Aponta ainda para a continuidade do processo de concentração, integração e racionalização dos recursos através da oferta de cuidados em centros hospitalares e unidades locais de saúde. Neste aspecto em concreto pretende, por exemplo, rever e dinamizar as redes de referenciação para as principais patologias, como instrumento de planeamento condicionante da oferta e afectação de recursos. Sempre obedecendo aos princípios da racionalização de recursos escassos e de optimização da segurança na prestação dos cuidados de saúde. Destaca ainda de forma meritória a importância a dar aos aspectos muitas vezes esquecidos da saúde mental e da qualidade dos serviços de saúde. Tem ainda a coragem de destacar e introduzir uma agenda para a investigação dirigida a prioridades de saúde. Na terceira parte o programa de governo para a saúde aponta ainda soluções relativas aos recursos humanos, financiamento e distribuição de recursos, tecnologias de informação e comunicação, política do medicamento, participação e responsabilidade social.
Mas o aspecto central, estratégico e capaz de se traduzir em ganhos futuros em saúde, de forma sustentada e continuada, persistindo no caminho meritório dos 30 anos de SNS, passa fundamentalmente pela reforma dos cuidados de saúde primários e pela sua articulação com objectivos em saúde. A articulação das Unidades de Saúde Familiares com o Plano Nacional de Saúde e a ligação coordenada entre centros hospitalares e unidades locais de saúde, constituirá certamente um ganho sustentado na qualidade dos cuidados de saúde prestados às populações em todo o espaço nacional. Bem mais importante do que opções como as que se referem à política do medicamento ou à necessária avaliação de diversas tecnologias regularmente utilizadas em saúde (medidas igualmente necessárias mas de consequências mais imediatistas), será nos cuidados de saúde primários e na participação esclarecida dos utentes assumindo uma importante responsabilidade individual (na gestão do seu estado de saúde) e social (vide o exemplo da responsabilidade colectiva de cada um de nós na presente situação da gripe) que se poderá construir um melhor futuro para as populações. Estando sempre presente a necessária melhoria dos indicadores de saúde de acordo com as legítimas expectativas de cada um, mas também contribuindo para uma redução futura de gastos em saúde que muitas vezes resultam de erros de funcionamento do sistema (ex. saúde e higiene oral, rastreio oncológico, acompanhamento precoce dos factores de risco da diabetes ou de doença cardiovascular, etc.).
O grande problema de qualquer sistema de Saúde é conseguir responder às expectativas dos utentes que são ilimitadas, utilizando meios e recursos públicos que são naturalmente limitados. É, pois, crítico introduzir racionalidade nas decisões e preservar a defesa dos que não se podem defender… dos que em situação de necessidade não querem a conta bancária como factor de segregação no acesso aos cuidados de saúde. Podendo debater-se cada um dos restantes pontos associados a esta problemática, é de realçar hoje e aqui neste espaço a questão central dos cuidados de saúde primários e a inovação que a política de saúde proposta (sustentada numa importante reforma em curso) apresenta de forma ímpar para o período 2009-2013. Resta ainda alargar esta intervenção a um papel mais activo de outros profissionais de saúde (sector público, privado e social) e “forças vivas” da sociedade civil ao nível local, melhorando a proximidade entre os cidadãos e o sistema de saúde. A responsabilidade do sector público não pode esquecer a necessidade de chamar outros à partilha de responsabilidades. E já agora contribuindo para uma melhoria significativa na equidade no acesso ao sistema de saúde. E esta centralidade é obviamente diversa à esquerda e à direita…
* Rogério Gaspar
Professor Catedrático de Farmácia
Universidade de Lisboa