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SIMplex

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03
Set09

25% is the magic number

João Galamba

Quando falava do Rendimento Social de Inserção, Paulo Portas indignou-se com a altíssima taxa de fraude: 25%. A ser verdade — não sei se é —, parece elevada. Em resposta a isto, pensava eu, duas opções: Portas propõe o fim do RSI; Portas avança com propostas de combate à fraude. Enganei-me. Portas prefere brincar com os números, aposta na estupidez do eleitorado, e avança com um dos seus truques demagógicos: como a fraude é 25%, a solução passa por tirar 25% do RSI para aumentar as pensões de reforma. Óbvio? Não. Eu sei que as % são as mesmas, mas, tirando isso, alguém me consegue explicar qual é a relação entre o problema (a fraude) e a solução proposta (aumentar pensões)? Se o problema é a fraude, em que medida é que tirar 25% dos fundos de um programa — que, recordemos, inclui 75% de não fraude — contribui para resolver o problema identificado pelo próprio Portas? Em nada, claro. A não ser que Portas tenha em mente algo do género: vou punir todos esperando que os que cumprem passem a denunciar e a pôr na ordem os aldrabões, o que, a prazo, iria contribuir para solucionar o problema. Será que Portas se aconselhou com especialistas em Economia do Risco e da Informação e avançou para o signalling, naquilo que constituiria um marco de sofisticação económica pioneiro em Portugal. Não. É apenas Portas a ser o Portas.

27
Ago09

A gente acredita

Hugo Mendes

 

“o combate à pobreza tem estado sempre na dianteira das politicas sociais [do PSD]”

(MFL discurso de apresentação do programa)
  

A sério? Atente-se nos anos em que o combate à pobreza e às desigualdades sofrem um atraso: 

                                             
                                                                ***
 
Objectivo do PSD inscrito no seu programa:
«melhorar a eficácia do rendimento social de inserção»
(p.15)
  
A sério?
Porque será então que em Janeiro de 2005 o prazo médio de pagamento do Rendimento Social de Inserção aos seus beneficiários estava nos 184 dias (o que compara com os 60 dias em Novembro de 2008)? E porque será que a percentagem de beneficiários com contrato de inserção estava, no mesmo mês de 2005, em 28% (estava em 88% em Novembro de 2008)?

 

24
Ago09

Intransparências - III

Palmira F. Silva

O presidente de todos os portugueses, que nunca se engana mas que aparentemente teve muitas dúvidas sobre as capacidades das mulheres e sobre os motivos (fúteis) que as levam à decisão por uma IVG, voltou a ter dúvidas aquando da promulgação de um diploma que diz respeito à chamada «moral e bons costumes».

 

Desta vez,  querendo quiçá dar uma ajudinha nas escolhas eleitorais que se avizinham, Cavaco, em vez de apenas endereçar recados e recomendacões  descabidas acerca da aplicação de uma lei da nação, que por acaso até fora aprovada em referendo, resolveu rejeitar, sem pejos mas com muitos moralismos, o Decreto n.º 349/X, legislação francamente inócua como refere o Eduardo, que pretendia alterar a lei das Uniões de Facto.

 

Não sei se Cavaco pretende acabar com a pouca vergonha de a esmagadora maioria dos portugueses optar por se «amancebar» em vez de casar, mas os argumentos com que justifica a sua decisão de não promulgar o diploma, no mínimo tão ridículos como as recomendações moralistas no caso da lei do aborto, apontam nessa direcção. Ou seja, sob o pretexto de estar muito preocupado com os desejos dos que não optaram pelo casamento, o presidente parece considerar que só são dignos de protecção jurídica os casais que decidam (ou possam) viver em comum sob os auspícios de um papel passado no notário. Diria aliás que a chave da rejeição se encontra neste último parênteses...

08
Ago09

o precipitado anúncio da morte do Estado Social

Porfírio Silva

Alexandre Homem Cristo, no Diário Económico de ontem, em texto intitulado "Irreal social", descascava nos defensores do Estado Social: "O Estado Social aguarda que alguém lhe passe a certidão de óbito". O governo socialista é acusado de não ver isso (aparentemente, por esse governo se guiar por "números e estatísticas", em mais uma instância do argumento do geocentrismo).

Ora, vale a pena sugerir a Homem Cristo a leitura de uma notícia da edição de hoje do Expresso, intitulada "Estados Unidos - Saúde será vitória histórica". Aí se explica que o presidente daquele país trava uma luta política gigantesca para criar um sistema nacional de saúde pelo menos digno dessa designação. Parece que Obama anda distraído e se tem esquecido de ler a prosa ilustrada de Homem Cristo. A notícia destaca uma das verdadeiras razões para os Republicanos se oporem a esta reforma estrutural: "ela será tão popular que custará o poder aos republicanos por uma geração". Parece que o anúncio da morte do Estado Social é um pouco exagerada.

Mas, pronto: Obama e a sua administração podem ser esplendidamente menos informados da máquina do mundo do que um colunista à procura de argumentos para atacar o PS neste jardim à beira-mar plantado durante uma campanha eleitoral. Essas coisas acontecem. Contudo, mais curioso ainda, é que o texto de Homem Cristo dá uma explicação económica para o óbito do Estado Social: não há dinheiro. Nem caminho por onde arranjar como financiar o reforço do Estado Social. Portanto, lá está, o óbito é o resultado da falência. Concordamos num ponto: os sistemas públicos que configuram concretamente o Estado Social devem ser geridos de forma a não desperdiçar o dinheiro dos contribuintes. E não podemos governar como se o dinheiro caísse do céu.

Entretanto, a notícia diz ainda outra coisa interessante: os Estados Unidos, apesar de estarem relativamente mal colocados em cuidados de saúde a nível mundial (muito atrás de Portugal, por exemplo), gastam muito mais do que outros que fazem melhor: Portugal gasta 10% do seu PIB em saúde, os EUA gastam 16%. Por culpa de o sistema de saúde dos EUA ser muito generoso? Não; por praticamente não existir, potenciando um verdadeiro desbaratar de recursos em seguros privados (que em geral nem garantem uma protecção minimamente adequada). Dirão: mas não é o Estado que assim gasta, são os privados. Esse seria um curioso argumento, especialmente se viesse do lado dos que vêem a "sociedade civil" como oposta ao Estado e mais digna do que os mecanismos públicos.

Portanto, mesmo por razões económicas, seria conveniente ter cuidado com o anúncio da morte do Estado Social. Cuidar da sua viabilidade: isso, sim, parece razoável - mas dificilmente compatível com o espírito liquidacionista.

(também aqui)

07
Ago09

A verdade é intemporal 2

João Galamba

"Envolto em números e estatísticas, este governo tem conseguido a proeza de desviar o seu olhar da realidade, preferindo governar para um país desenhado com gráficos bonitos."

 

As críticas do Alexandre são todas declarativas: o estado social está falido, não há dinheiro, a realidade é uma fantasia. Como já escreveu o Hugo Mendes, o artigo do Alexandre Homem de Cristo podia ter sido escrito em qualquer década posterior à segunda guerra mundial. Mas o mais extraordinário é o facto do Alexandre considerar que as estatísticas são irrelevantes. Reparem que nunca é dito que as estatísticas são falsas nem se procura avançar com dados alternativos. Não, toda a gente sabe que a realidade não é aquilo que os números dizem. Este toda a gente sabe  corresponde a uma sacralização do irracional e do intuitivo, o que leva a uma desvalorização do debate político e substitui toda e qualquer racionalidade argumentativa por estados de alma não falsificáveis. E assim se vai fazendo oposição em Portugal.

07
Ago09

A verdade é intemporal

Hugo Mendes

O artigo do Alexandre Homem Cristo no Diário Económico de hoje podia ter sido escrito sobre o Estado Social de qualquer país da Europa Ocidental na década de 1950, 1960, 1970, 1980, ou 1990. Quem conhece um pouco o tema já sabe que este discurso tem mais de meio século. Ele é feito de uma retórica intemporal que dispensa, naturalmente, estatísticas, estimativas, a análise desagregada da despesa, etc..

 

Do ponto de vista da análise das políticas públicas de combate às desigualdades e à pobreza - da sua equidade, da sua eficácia, da sua sustentabilidade, etc. - é completamente irrelevante, não fosse o ruído e o preconceito (mesmo que com pedigree filosófico) que introduz na discussão.

 

Sobretudo, ignora o essencial: o Estado contemporâneo é, no universo da OCDE, cada mais "Estado Social" (ou seja, o peso das despesas sociais é hoje mais forte do que as despesas no sectores empresarial, militar, etc.).  Por muito que custe a alguns, o "Estado Social" está para ficar e provou, no último quarto de século, ser reformável (veja-se a reforma do sistema de pensões realizado por este Governo e elogiada pela OCDE). Para ter isto em conta, porém, é preciso olhar para a realidade empírica e abandonar os discursos fechados sobre si próprios.

07
Ago09

A diferença entre a demagogia e a mentira

Hugo Mendes

O Bloco de Esquerda publicou o seu programa eleitoral em livro. AInda sem ter tido tempo de ler o documento com atenção, saltou-me à vista a seguinte frase (p.12):

 

«Chega a hora de o governo prestar contas pelo aumento do desemprego e da precariedade, pela redução dos salários e pensões, por um código do trabalho que aprofundou o retrocesso civilizacional iniciado por Bagão Félix, pelas privatizações, pelas desigualdades sociais e pela degradação dos serviços públicos. Passados quatro anos de governação, temos um país mais desigual e socialmente mais inseguro, onde o medo impera em muitas empresas e serviços.»

 

Ignoremos por agora a ladaínha de imputação de responsabilidades ao Governo. Com a demagogia paranóica eu posso bem; tenho é mais dificuldade com a mentira e com a desonestidade intelectual. O BE apregoa sempre que pode - e Francisco Louçã fê-lo sistematicamente ao longo desta legislatura nos debates quinzenais com o Primeiro-Ministro - que as desigualdades aumentaram com o Governo do Partido Socialista. 

 

Eu não sei bem como o BE e Louçã medem as desigualdades. Talvez disponham de um instrumento secreto que produz resultados que confortam os seus desejos. Se o têm, a comunidade de investigadores e decisores políticos pede encarecidamente que o BE e Louçã o tornem público, porque melhores instrumentos de medida das desigualdades são sempre bem vindos. Até lá, temos que viver com os instrumentos e os indicadores existentes, que produzem informação válida e comparável internacionalmente.

 

Ora, o que nos dizem estes indicadores? O quadro seguinte, retirado desta publicação do INE (pág.3) lançada no passado dia 15 de Julho, resume a informação relativa à evolução de alguns indicadores essenciais nos últimos anos:

 

 

 

Os três indicadores* mostram que, entre 2004 e 2007 (os rendimentos dizem sempre respeito ao ano anterior ao assinalado), Portugal se tornou um país menos desigual e com menos pessoas em risco de pobreza. Sim, ainda somos um país muitíssimo desigual. Mas a clara tendência dos últimos anos é para uma redução das desigualdades e da pobreza.

 

O BE pode fazer a demagogia que entender, mas há uma diferença entre a demagogia e a mentira: é que esta, para além da desonestidade intelectual que revela, é facilmente desmascarada.

07
Ago09

O programa eleitoral de Phelps ou o programa eleitoral do PS?

Hugo Mendes

O "Diário Económico" publicou ontem, quinta-feira, uma entrevista a um prémio Nobel da Economia, Edmund Phelps. Creio que a entrevista não está on-line, mas um resumo pode ser encontrado aqui, onde se lê:

 
«Para o prémio Nobel da Economia, Edmund Phelps, Portugal deveria "considerar a adopção de um programa de subsídios aos trabalhadores com salários mais baixos de forma a reduzir algum do desemprego", disse ao Diário Económico. Esta é uma fórmula que já foi introduzida na Holanda e em França e que está a dar "muito bons resultados" em Singapura, lembra o professor.»
 
Na última página do jornal, Pedro Carvalho - num artigo com o título "O programa eleitoral de Phelps" - volta ao assunto, escrevendo:
 
«Edmund Phelps, que é hoje o entrevistado do Diário Económico, sugere uma política, no mínimo polémica, mas que no seu entender tem um alcance de mais longo prazo. Sugere que Portugal deveria adoptar um programa de subsídio para os trabalhadores com salários baixos, ou seja, uma espécie de subsídio de desemprego para os empregados. A ideia é evitar que as empresas equilibrem as contas pelo lado dos custos com o pessoal. E mantendo os funcionários, mais rapidamente retomam a capacidade máxima de produção quando se inverter o ciclo económico. A medida dispensava muitos outros subsídios para apoios sociais e ainda estimulava a procura, ao manter o poder de compra dos trabalhadores.»
 
Na verdade, vale a pena dizer que o "programa eleitoral de Phelps" está, na prática, previsto no programa eleitoral do Partido Socialista (ver aqui, página 61):
 
«Introduzir, ao longo da legislatura, um novo apoio público às famílias trabalhadoras com filhos, de modo a reduzir o risco de pobreza entre aqueles que trabalham, declaram ao fisco os seus rendimentos e têm filhos a cargo. Assim, uma família trabalhadora com filhos que tenha rendimentos inferiores ao limiar da pobreza terá o apoio público necessário à superação desta situação.»
 
Esta justificação coloca a ênfase na luta contra a pobreza; Phelps coloca-a no combate ao desemprego. Apesar desta diferença e do desenho da medida ser, naturalmente, de geometria variável, ela é na realidade herdeira do Earned Income Tax Credit, criado em 1975 nos EUA, e sobre a qual Phelps tem trabalhado.
05
Ago09

A demagógica contenção de despesa...

GWOM

 

 

Tenho de me revoltar contra a demagogia do argumento de que é preciso conter a despesa, porque não há impostos. Quem defende isto é como se ainda não tivesse descoberto a terceira dimensão.

 

A visão é totalmente redutora, porque reduz a intervenção do Estado ao curto prazo. Na verdade, a lógica de caixa do período orçamental (que é de um ano, para o caso português) proíbe que a dívida pública cubra as despesas correntes (relacionadas com os encargos com o pessoal, com os juros das dívidas contraídas nos anos anteriores, etc.). Até aí estamos de acordo.

 

Ora, a grande questão é que a dívida pública (i.e. as receitas creditícias) é fundamental para garantir a distribuição de encargos entre as gerações, quando o bem que é produzido pelo Estado permita que várias gerações possam usufruir dos benefícios desses bens (falamos de vias rodoviárias, ferroviárias, pontes e infraestruturas várias).

 

E neste tipo de despesa implicada (de capital) fará sentido que uma geração apenas suporte através dos impostos presentes? Parece-me que não. Daí a necessidade de endividamento, como perspectiva de repartição de encargos no longo prazo. As restantes explicações teóricas encontramo-las na equivalência ricardiana.

 

Da mesma forma, o sobredimensionamento da despesa deve ser analisado apenas perante o ano orçamental? Totalmente absurdo.